A kalimba, instrumento de origem africana, foi usada na composição da trilha sonora do filme “Disque Quilombola”. Assim como o barbante que liga os dois grupos de crianças, o do morro e o da comunidade quilombola, a kalimba também funcionou como um fio condutor da trilha sonora, criada pelo músico Paulo Brandão, da Brand Estúdio, do Rio de Janeiro.
Esse instrumento faz parte de nossa história remota, ancestral, trazida por nossos antepassados africanos. É muito utilizado durante longas caminhadas ou como fundo musical, ou trilha, quando um mais velho conta histórias à volta de uma fogueira.
Em Angola, de onde é originária, a kalimba é chamada de tyitanzi ou kisanji. Em Moçambique, o instrumento similiar chama-se mbira. No Congo e nas regiões da África Central, existe o sansa. É chamada de kalimba ou karimba em Uganda e mangambeu nos Camarões, kondi em Serra Leoa. No Zimbábue, ganha nomes como likembe, budongo, mbila e mbira.
Existem variantes do instrumento espalhadas por diferentes regiões da África, com construções peculiares. O kisanji, por exemplo, é construído sobre uma tábua harmônica com poucos centímetros de espessura, de forma retangular, onde se fixam uma série de lâminas que podem ser de bambu ou de metal.
Mas com quantos instrumentos se faz uma trilha sonora? Na entrevista abaixo, Paulo Brandão fala sobre os caminhos que percorreu para os sons do filme.
Além da kalimba, quais outros instrumentos foram usados para a trilha do filme?
Violão de nylon com uma esponja de cozinha abafando as cordas, viola caipira de dez cordas, violão de aço de seis cordas, cavaquinho e samplers. Decidimos utilizar instrumentos de cordas em toda a trilha, pois eles trazem uma unidade aos dois ambientes do filme. O interior é da viola, o urbano é do violão de aço. O Brasil, como sua mãe África, traz nos instrumentos de cordas uma fortíssima tradição de sua música popular. Dessa forma, a história de cada lugar estaria bem contada musicalmente.
Quais caminhos seguiram com relação à percussão?
Na percussão, a partir de pequenos pedaços de áudio captados nas filmagens, foi possível editarmos as crianças do morro São Benedito batucando em baldes. Com essas pequenas ‘levadas’, foi possível compor praticamente toda a parte rítmica do filme. Mas também usamos alguns sons eletrônicos de baterias e ‘scratches’ nas cenas urbanas. Na comunidade quilombola de São Cristóvão, todos os sons percussivos foram a partir do que os meninos tocaram em seus tambores.
Fizeram muitas experimentações durante a criação?
Foi muito bom explorar os instrumentos convencionais utilizados na composição da trilha de um modo pouco usual, como abafar as cordas do violão de nylon com uma esponja de cozinha. Isso fez com que o violão se aproximasse do som da kalimba. Raspar de leve os dedos nas cordas do violão de aço criou um ambiente muito próprio para a linda cena em que a pipa sobe para o céu. Assim, procuramos dar à trilha uma característica própria. Da mesma forma, todas as dez músicas que fazem parte da trilha, foram compostas para reforçar e traduzir a emoção de cada cena do filme, sua alegria, sua intensidade, e, principalmente, sua ternura.
Como é o trabalho de sonoplastia para um filme?
Durante as filmagens há a captação de som direto. Um microfone grava os sons originais daquela cena. As pessoas falando, um cachorro que late, uma música que alguém ouve ao fundo, os passos das crianças… Mas nem sempre esses sons têm uma qualidade adequada para a finalização do trabalho. Por isso, após as filmagens, gravamos no estúdio o que se chama de “ruidagem” – ou o “foley”. Assistindo às cenas, reproduzimos os sons do filme e dublamos cada ruído.
Podem dar algum exemplo de como funciona?
Por exemplo, o som da menina socando a comidinha em uma panelinha de barro estava baixo. Então, descobrimos um tijolinho em miniatura e, batendo com um lápis, “refizemos” o som dela batendo no potinho de barro. Nem sempre encontramos imediatamente o som que procuramos, no que seria a sua reprodução exata. Muitas vezes, é preciso somar dois ou mais sons para se chegar ao resultado esperado.
Teve algum som muito difícil de reproduzir no trabalho da sonoplastia?
Um dos sons mais complicados de encontrar foi o da bicicleta que passa ao longe. Tinha que ser um som de bicicleta antiga, à distância certa. Todos os detalhes da cena visual têm que ser levados em conta na escolha. Mas o mágico é a caça ao som ideal, o som exato para cada cena. E para isso é importante um trabalho conjunto com o diretor e a equipe do filme. A trilha e a sonoplastia vestirão o filme.